sexta-feira, 28 de outubro de 2016

O trabalho voluntario em nossa biblioteca.2016




















Sr. Milton eternizado em nossa memoria .

"In Memoriam"- Matéria do BLOG SUSCITAS, recordar, saudades deste grande homem, que fez a diferença na vida de muitos.(01/07/1927 a 09/02/2011)
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011
seu Milton

Ainda pouco folheei as páginas da matéria que mais gostei de escrever para a Revista Semear Asas [2008], do Grupo Pombas Urbanas: o perfil de Milton José Assumpção.
Seu Milton, como era conhecido na comunidade de Cidade Tiradentes, sempre que as pernas, cansadas da idade, conseguiam seguir adiante para prestigiar uma apresentação cultural, lá estava ele na sede do grupo, que fica bem próxima de sua casa.
Terno, chapéu na cabeça, elegância e simpatia que, sem dúvida, marcaram esta personalidade das artes no bairro. Sempre que eu podia, papeava com ele enquanto o espetáculo não começava ou as cortinas não se abriam. Às vezes, antes de ir ao Pombas, preferia passar em frente a sua casa para um “Bom dia, Seu Milton. Tudo bom?”. Ele, sempre sentado na companhia de sua máquina de escrever, respondia com um aceno e um sorriso: “Tudo bem, minha jovem”. Imagem bonita que carrego comigo: a de um senhor sempre disposto à escrita teatral.
Demorei, mas posto aqui algumas fotos e o perfil que fiz em homenagem, mais que merecida, a ele, diante da notícia de seu falecimento, aos 83 anos.
Reticências se tornaram palavras tristes.
...
O contador de histórias
Um perfil de Milton José Assumpção, homenageado da Biblioteca Comunitária do Centro Cultural Arte em Construção
Um tec tec datilográfico. É o som da máquina que não superou o homem. Ele a detém sob dedos que a tocam dias e noites em escritos incessantes. Histórias do cotidiano, notícias de jornal, experiências vividas: a imaginação transportada para o papel vira dramaturgia, diálogos de cena.
Quem passa pela Avenida dos Metalúrgicos, altura do número 2.000, na Cidade Tiradentes, nota que diariamente alguém está ali sentado, no “Cantinho Dona Vera”, na companhia de uma máquina de escrever. É Milton José Assumpção que, aos 81 anos, pratica a arte de compor peças teatrais.
Um verdadeiro contador de histórias, Milton rememora com propriedade as muitas transformações do fazer teatral na cidade de São Paulo, das apresentações amadoras na Bela Vista da década de 1930 aos palcos de hoje. Conheceu espaços em início de atividade como o Teatro dos Estudantes, hoje Teatro Oficina; o Teatro Cultura Artística e o Teatro Maria Della Costa. Tempos em que personalidades artísticas caminhavam tranquilamente por ruas paulistanas. Trocou até duas palavrinhas com Amácio. Sim, o Mazzaropi.
Seu Milton, como é conhecido na Cidade Tiradentes, acompanha há 24 anos a evolução do bairro. Quase vizinho do Centro Cultural Arte em Construção (CCAC), ele lembra a chegada do Pombas Urbanas ao espaço e também toda a revitalização ocorrida ali. Pela dificuldade de caminhar, ele diminuiu a frequência de visitas ao Centro Cultural, mas não por isso, distanciou-se do grupo e das atividades que lá acontecem. Desde 21 de abril de 2007 – data que comemorou o 23º aniversário do bairro -, a biblioteca comunitária do CCAC carrega o nome de Milton.
O corpo curvado e os pés de passos vagarosos fazem o trajeto habitual de descer e subir a escadaria da casa. Primeira porta à esquerda, o recanto em que repousa a escrita. Lá, muitas pastas de cores diversas, papéis, três máquinas de escrever quebradas, uma cama, uma poltrona, televisão, vídeo cassete e aparelho de DVD; além de alguns clássicos do cinema mundial e nacional, servem de subsídio às criações de Milton.
No fim do corredor, outro cômodo concentra um acervo de livros e filmes - a maioria ele viu no cinema. Nas paredes, quadros do artista plástico Roberto José; morto há dez anos, o filho que desperta um sentimento de orgulho e saudosismo no pai Milton.
Casados há 58 anos, ele e dona Vera têm cinco filhos. Atualmente, o casal se reveza no atendimento de clientes que frequentam o estabelecimento “Cantinho Dona Vera”, inaugurado pós-aposentadoria de ambos e localizado no térreo da casa onde moram. A filha Gilda, 56 anos, auxilia no preparo de refeições e salgados que são servidos no local. Ela e seu filho Cláudio compartilham a casa que Milton faz questão de mencionar que sozinho construiu. Nos idos de 1950, evoluiu na profissão e foi de servente de pedreiro a mestre-de-obras. Mas é na construção das ideias que Milton é fiel às memórias.
Primeiros passos artísticos
Cine Marconi. “Rua da Paz” (1917), Charles Chaplin: aos quatro anos de idade vai ao cinema pela primeira vez. É com brilho nos olhos que lembra Chaplin e Gordo e o Magro na tela muda, Arrelia e Piolin sob a lona de circo. Por uma ironia, ou não, Milton nasceu em 1º de julho de 1927, ano que marca o início da utilização comercial do cinema falado.
Natural de Avaré, interior de São Paulo, veio para a metrópole com 11 meses. Filho caçula de seis irmãos, a família instalou-se no Bom Retiro, centro de São Paulo. A mãe morreu quando tinha apenas três anos. O pai era músico de cinema mudo e, posteriormente, de circo, convívio que aproximou Milton das arquibancadas e do picadeiro: deu serragem no sangue.
Aos 14 anos escreve seu primeiro texto teatral e desde então não parou mais. Cuidadoso, escreve tudo no papel e em seguida passa para a máquina, instrumento mecânico que passou a usar a partir de 1997. Depois de datilografado, faz dez cópias, separa um texto para cada personagem e os organiza em pastas. Um capricho refletido nas entrelinhas, que abordam temas contemporâneos como Aids, desemprego, gravidez na adolescência e preconceito, como em “Os Excluídos”, peça de três atos e 12 personagens, escrita em 1998.
Milton estudou até a quarta série. Escreveu quase 40 textos para teatro (o último é de 2007), fora os que perdeu, os esquetes e rascunhos tantos. Agora se dedica à escrita de livros. O primeiro título fala de preconceito racial; o segundo conta a história de uma contemporânea rainha do Egito, “Cleópatra - Século XXI”; e o terceiro, um romance, estava na metade da história escrita, página 299, quando conversou com a Semear Asas.
Expressivo e bem-humorado, por ora, o olhar se perde no tempo. Milton vai situando a conversa com expressões do tipo “compreende” ou “entendeu”. Durante as três horas e meia, cravadas no gravador, o bom entendedor fala sobre o que quer que se pergunte.
Semear Asas – Quando foi seu primeiro contato com o teatro?
Milton – Foi nos anos 30. Eu era garoto, meu pai era músico de circo e volta e meia ele me levava para ver espetáculo. A gente fazia cirquinho e morava num terreno grande ali na Bela Vista. Via o que o circo fazia e copiava. Um pintava a cara, outro dançava, outro pulava... Os tipos circenses. Eu gostava de dar cambalhota (“Blooooft!” – faz com a boca o som da cambalhota). Quando estava com 14 anos, me deu na cabeça de escrever um drama. Eu não fazia ideia do que tinha que escrever, então me baseei numa história que meu pai contava: “O homem que vendeu a alma”. Uma pessoa que vendia a alma para ter dinheiro e o diabo vinha buscar. Ele dizia: “Se vocês fizerem alguma arte, eu levo a alma pro diabo”. Depois de ensaiar, o pessoal perguntou onde é que a gente ia apresentar. A nossa peça foi parar na igreja de Nossa Senhora Achiropita, no fundo do salão.
Semear asas - Como foi sua estreia no palco?
Milton – Não era bem um palco. Eu lembro que era uma casa grande na Avenida Angélica, de São Paulo. Eu tinha que imitar um bêbado, meu primeiro personagem. Na peça do diabo [“O homem que vendeu a alma”] eu fiz o Diabo (sorri). Tem uma peça que eu trabalhei com uma moça, chamava-se “À espera da morte” e fiz o personagem principal. O pessoal que ia assistir ao espetáculo levava cadeiras. A gente fazia texto baseado em ponto. Às vezes eu era ponto, “Ponto de Teatro” [antigamente, uma pessoa postava-se à frente do palco e soprava os diálogos dos textos para os atores que esqueciam em cena]. Falava baixinho para o público não escutar a voz, mas ao mesmo tempo, alto para o ator escutar o texto. Hoje é diferente.
Semear asas - O senhor está mais para contador de história ou escritor?
Milton – Os dois. Eu era contador de história na Bela Vista. A gente ia para o fundo do quintal e eu inventava personagem. Tinha um chamado “Chiquito Paquito”. Era para o pessoal que fazia teatro comigo.
Semear Asas - De onde vêm as inspirações de escrita?
Milton – Eu leio jornal e penso que dá um bom texto, um bom esquete. Tiro do próprio cotidiano. “Os excluídos”, os personagens são todos pobres.
Semear asas - Como se dá o primeiro contato com o Pombas Urbanas?
Milton – Uma casualidade. A sede deles era aqui do lado. O Paulinho [vizinho] gosta muito de conversar comigo e sabia que eu mexia com teatro. O Gemali era um rapaz negro, professor de inglês e era de um país da África, Aritréia. O Paulo me apresentou ele, que respondeu com aquele português atrapalhado. E ele quem me apresentou o Lino [Rojas]. Era a festa de 14º aniversário do Pombas, troquei três palavrinhas sobre cinema. Eu tinha ido ao Pombas, mas não esperava que eles fossem ficar definitivos. Depois fui pegando amizade com eles, batendo papo.
Semear asas - Como aconteceu a homenagem da biblioteca comunitária?
Milton – A Juliana [atriz do Pombas Urbanas] um dia sentada na porta aqui me disse: “Queria pedir um favor pro senhor. A permissão de usar o seu nome na biblioteca”. Para mim foi uma honra. E pensei como é que iria agradecer. Escrevi uma peça que se chama: “O Segredo de Bety” (2007). Ela foi a primeira pessoa que me chamou de dramaturgo.
Semear asas - Como o contato com a arte pode ajudar na formação do jovem?
Milton – Quando tem cultura não tem violência.
Semear asas - O que o teatro difere das outras artes?
Milton – O público. A coisa boa de fazer teatro é receber os aplausos ao vivo. Principalmente na comédia, você faz um improviso de acordo com o texto. A gente fazia “as noites do riso”, mas era antigamente. Cada tempo tem seu tempo.
Semear Asas - O teatro surge como meio de entretenimento e reflexão?
Milton – O teatro entra com grandes histórias para a humanidade. Ainda mais quando é algum texto baseado em assuntos que aconteceram e a reflexão que causa. No teatro o que funciona é a voz.
Semear asas - O que é essencial para fazer teatro?
Milton – O elemento humano. Se gosta não precisa ter aula de teatro, apenas uma boa pessoa que dirija.

fotos: Neomisia Silvestre
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BIBLIOTECA COMUNITÁRIA MILTON JOSÉ ASSUMPÇÃO